Recordando o que as raparigas já não sabem
Processo de “escarramiça” Ciclo da lã, como era até quase ao final do século passado, foi recriado em Agrochão. Para as moças, a parte da “escarramiça” era a mais motivadora, porque, no fim, havia baile, ao som do realejo. Hoje, as raparigas, as poucas que ainda há nas
Tempos houve, ainda no final do século passado, em que era comum encontrar mulheres, nas aldeias, a fiar com fuso e roca, à porta de casa, ou enquanto guardavam vacas, cabras, ou ovelhas. Era um trabalho necessário à vida nas aldeias, que raparigas aprendiam a fazer com as mães, ou avós, quando era ainda muito novas. Com o fio faziam meias, indispensáveis nos invernos rigorosos da região, que se usavam com socos de pau. Assim, toda a mulher tinha que saber tratar a lã, fazer meios e camisolas e, algumas, também tecer. Esse tempo passou, mas há ainda quem o queira lembrar, porque afinal não era só trabalho pesado, era uma forma de vida, com as suas alegrias e tristezas; forma de vida extinta, só lembrada por quem ainda a recorda. Para recordar esse tempo, a Câmara Municipal de Vinhais, em conjunto com várias associações do concelho, está a organizar a recriação de vários ciclos produtivos que já não existem. A iniciativa teve início em Agrochão, com da Associação Cultural, Recreativa e Desportiva Local, que tratou de recriar o ciclo da lã. Maria da Graça Afonso, organizadora do evento por parte desta Associação, explicou-nos que tudo começava na tosquia. Depois era necessário lavar a lã, em água bem quente, para tirar a sujidade acumulada pelo do animal, ao longo de um ano. Após lavada era estendida e bem esticada, para depois ser mais fácil “escarramiçá-la”. A palavra usada por terras de Vinhais, ou outras, não foi consagrada no dicionário oficial português. Segundo Maria da Graça Afonso, existe no catalão a palavra “escarramicar” e em aragonês “escarramizar”, com signigicados relativamente semelhantes. Aplicada ao ciclo da lã, em terras de Vinhais, “escarramiçar” é separar bem o fios, de modo a que a lã fique fofa e seja mais fácil fiá-la. Este era em Agrochão, pelo menos, um momento de festa. As raparigas, convidadas pela dona da lã, prontificavam-se a ajudar. Durante o trabalho cantavam canções. No final comiam-se figos e nozes e havia baile, ao som do realejo. “Juntavam-se principalmente as moças novas, convidadas pela dona da lã. Elas gostavam de estar, porque sabia que a seguir à “escarramiça” havia baile”. Note-se que, os bailes de antigamente, eram muito importantes, porque era aí que as raparigas podiam encontrar pretendentes para possível casamento. “Ainda me lembro das “escarramiças”, de ir ao baile e comer os figos e as nozes”, recordou Maria da Graça. Depois da “escarramiçada” a lã era fiada, com fuso e roca. Maria da Graça aprendeu com 12 anos, como muitas outras raparigas. Fazia-se uma “manela”(uma espécie de molho de lã alongado) que era colocada na roca e depois fiada com os dedos e enrolada no fuso onde a “massaroca” (chamada assim pela semelhança que tinha com a verdadeira massaroca do milho) ia crescendo. A fiadeira puxava um bocadinho da lã, que se alongava, formado um fio e torcido com o fuso, que rodava com a outra mão. Depois, a massaroca era dobrada em dois fios que eram torcidos um com o outro, para ficar com um fio suficientemente consistente para se fazerem camisolas ou meias. “Antigamente fazia-se muito. As famílias andavam com meias feitas de lã de ovelha, camisolas e xaile para as mulheres”. Se o objectivo era tecer a lã havia então outro processo, em que era feito um fio mais grosso, que iria passar depois pela urdidura. Do trabalho de tecelagem, Maria da Graça sublinhou que o mais difícil é fazer a teia, a urdidura, que serviria depois como molde para o fio que passa de um lado ao outro, até a peça pretendida estar completa. “Como dizemos, num tear aparelhado tece um burro albardado”, comentou, ao referir-se a esse trabalho de fazer a teia para tecer depois. Tecida a peça, pode ainda ser cardada, para ficar mais fofa, se assim se pretender. Havia um outro produto, feito em lã, que hoje não existe. Era o tecido de burel, em que a urdidura era feita com lã e a tecelagem também. Hoje usa-se apenas o algodão para fazer a urdidura. Essa lã para urdir era resultante da fiação. O tecido resultante, totalmente em lã, o chamado burel, era usado para fazer saias para as senhoras e mantas para os segadores. É que, nesse tempo, os trabalhadores à jorna, que vinham fazer as cegadas, no tempo delas, dormiam no palheiro e era costume, os donos da casa, darem-lhe uma manta de burel para dormir. Esses tecido, que fruto de lavagens e outros processos ficava extremamente duro era também impermeável e muitos pastores usavam-no em capas, durante o inverno, para não se molharem. O tecido tinha que ir sempre ao pisão que era um instrumento feito por homens e funcionava com água corrente. Nesse instrumento o tecido molhado era pisado com malhos de madeira para ficar mais macio. Isso era muito importante, sobretudo quando era para fazer as saias das senhoras. Não indo ao pisão, “ficavam-lhe as pernas vermelhas”, ao usarem aquelas saias de lã. Também Teresa, Armandina, Noémia, Ana e uma outra Ana, de Vilar de Lomba, se recordam desses tempos. Todas aprenderam o processo de tratar a lã com a mãe ou as avós. Já não foi precioso ensinarem aos filhos, nem aos netos, como se faz, porque dizem, agora “compra-se tudo feito. Antes, “todas as raparigas fiavam. Era obrigatório”, contou-nos uma. Outra confessou que o marido ainda usa meias de lã, no Inverno, por serem quentes, mas alguém disse que os filhos já não as querem “porque picam”, ou o marido não as usa, por serem demasiado quentes e já não se calçarem com os socos de antes, que deixavam sempre passar algum ar. Nesse outra aldeia, Vilar de Lomba, chegou a haver mais de cinco teares. Hoje não há nenhum. Dirce Loução, técnica do projecto Contrato Local de Desenvolvimento Social de Vinhais, no âmbito do qual estas recriações de antigos trabalhos estão a ser feitas, referiu que o objectivo é lembrar tradições, mas também fomentar o convívio entre as pessoas; um convívio que antes de fazia, mais voluntariamente, pela necessidade do realizar, muitas vezes, trabalho em conjunto. Depois desta premira actividade, realizar-se-á a recriação do ciclo da telha, em Romariz, do pão, em Santalha, do trabalho de ferreiro, em Vilar de Lomba e o artesanato em madeira em Vila Boa. Estas actividades vão decorrer até Setembro, nas várias aldeias, com a colaboração das associações locais.
Processo de “escarramiça” Ciclo da lã, como era até quase ao final do século passado, foi recriado em Agrochão. Para as moças, a parte da “escarramiça” era a mais motivadora, porque, no fim, havia baile, ao som do realejo. Hoje, as raparigas, as poucas que ainda há nas
Tempos houve, ainda no final do século passado, em que era comum encontrar mulheres, nas aldeias, a fiar com fuso e roca, à porta de casa, ou enquanto guardavam vacas, cabras, ou ovelhas. Era um trabalho necessário à vida nas aldeias, que raparigas aprendiam a fazer com as mães, ou avós, quando era ainda muito novas. Com o fio faziam meias, indispensáveis nos invernos rigorosos da região, que se usavam com socos de pau. Assim, toda a mulher tinha que saber tratar a lã, fazer meios e camisolas e, algumas, também tecer. Esse tempo passou, mas há ainda quem o queira lembrar, porque afinal não era só trabalho pesado, era uma forma de vida, com as suas alegrias e tristezas; forma de vida extinta, só lembrada por quem ainda a recorda. Para recordar esse tempo, a Câmara Municipal de Vinhais, em conjunto com várias associações do concelho, está a organizar a recriação de vários ciclos produtivos que já não existem. A iniciativa teve início em Agrochão, com da Associação Cultural, Recreativa e Desportiva Local, que tratou de recriar o ciclo da lã. Maria da Graça Afonso, organizadora do evento por parte desta Associação, explicou-nos que tudo começava na tosquia. Depois era necessário lavar a lã, em água bem quente, para tirar a sujidade acumulada pelo do animal, ao longo de um ano. Após lavada era estendida e bem esticada, para depois ser mais fácil “escarramiçá-la”. A palavra usada por terras de Vinhais, ou outras, não foi consagrada no dicionário oficial português. Segundo Maria da Graça Afonso, existe no catalão a palavra “escarramicar” e em aragonês “escarramizar”, com signigicados relativamente semelhantes. Aplicada ao ciclo da lã, em terras de Vinhais, “escarramiçar” é separar bem o fios, de modo a que a lã fique fofa e seja mais fácil fiá-la. Este era em Agrochão, pelo menos, um momento de festa. As raparigas, convidadas pela dona da lã, prontificavam-se a ajudar. Durante o trabalho cantavam canções. No final comiam-se figos e nozes e havia baile, ao som do realejo. “Juntavam-se principalmente as moças novas, convidadas pela dona da lã. Elas gostavam de estar, porque sabia que a seguir à “escarramiça” havia baile”. Note-se que, os bailes de antigamente, eram muito importantes, porque era aí que as raparigas podiam encontrar pretendentes para possível casamento. “Ainda me lembro das “escarramiças”, de ir ao baile e comer os figos e as nozes”, recordou Maria da Graça. Depois da “escarramiçada” a lã era fiada, com fuso e roca. Maria da Graça aprendeu com 12 anos, como muitas outras raparigas. Fazia-se uma “manela”(uma espécie de molho de lã alongado) que era colocada na roca e depois fiada com os dedos e enrolada no fuso onde a “massaroca” (chamada assim pela semelhança que tinha com a verdadeira massaroca do milho) ia crescendo. A fiadeira puxava um bocadinho da lã, que se alongava, formado um fio e torcido com o fuso, que rodava com a outra mão. Depois, a massaroca era dobrada em dois fios que eram torcidos um com o outro, para ficar com um fio suficientemente consistente para se fazerem camisolas ou meias. “Antigamente fazia-se muito. As famílias andavam com meias feitas de lã de ovelha, camisolas e xaile para as mulheres”. Se o objectivo era tecer a lã havia então outro processo, em que era feito um fio mais grosso, que iria passar depois pela urdidura. Do trabalho de tecelagem, Maria da Graça sublinhou que o mais difícil é fazer a teia, a urdidura, que serviria depois como molde para o fio que passa de um lado ao outro, até a peça pretendida estar completa. “Como dizemos, num tear aparelhado tece um burro albardado”, comentou, ao referir-se a esse trabalho de fazer a teia para tecer depois. Tecida a peça, pode ainda ser cardada, para ficar mais fofa, se assim se pretender. Havia um outro produto, feito em lã, que hoje não existe. Era o tecido de burel, em que a urdidura era feita com lã e a tecelagem também. Hoje usa-se apenas o algodão para fazer a urdidura. Essa lã para urdir era resultante da fiação. O tecido resultante, totalmente em lã, o chamado burel, era usado para fazer saias para as senhoras e mantas para os segadores. É que, nesse tempo, os trabalhadores à jorna, que vinham fazer as cegadas, no tempo delas, dormiam no palheiro e era costume, os donos da casa, darem-lhe uma manta de burel para dormir. Esses tecido, que fruto de lavagens e outros processos ficava extremamente duro era também impermeável e muitos pastores usavam-no em capas, durante o inverno, para não se molharem. O tecido tinha que ir sempre ao pisão que era um instrumento feito por homens e funcionava com água corrente. Nesse instrumento o tecido molhado era pisado com malhos de madeira para ficar mais macio. Isso era muito importante, sobretudo quando era para fazer as saias das senhoras. Não indo ao pisão, “ficavam-lhe as pernas vermelhas”, ao usarem aquelas saias de lã. Também Teresa, Armandina, Noémia, Ana e uma outra Ana, de Vilar de Lomba, se recordam desses tempos. Todas aprenderam o processo de tratar a lã com a mãe ou as avós. Já não foi precioso ensinarem aos filhos, nem aos netos, como se faz, porque dizem, agora “compra-se tudo feito. Antes, “todas as raparigas fiavam. Era obrigatório”, contou-nos uma. Outra confessou que o marido ainda usa meias de lã, no Inverno, por serem quentes, mas alguém disse que os filhos já não as querem “porque picam”, ou o marido não as usa, por serem demasiado quentes e já não se calçarem com os socos de antes, que deixavam sempre passar algum ar. Nesse outra aldeia, Vilar de Lomba, chegou a haver mais de cinco teares. Hoje não há nenhum. Dirce Loução, técnica do projecto Contrato Local de Desenvolvimento Social de Vinhais, no âmbito do qual estas recriações de antigos trabalhos estão a ser feitas, referiu que o objectivo é lembrar tradições, mas também fomentar o convívio entre as pessoas; um convívio que antes de fazia, mais voluntariamente, pela necessidade do realizar, muitas vezes, trabalho em conjunto. Depois desta premira actividade, realizar-se-á a recriação do ciclo da telha, em Romariz, do pão, em Santalha, do trabalho de ferreiro, em Vilar de Lomba e o artesanato em madeira em Vila Boa. Estas actividades vão decorrer até Setembro, nas várias aldeias, com a colaboração das associações locais.
5 comentários:
Céu
Obrigada por estas publicações que tens o cuidado de ir fazendo.
Beijos
Gostei imenso, Céu. Talvez por ser vizinho e conhecer as entrevistadas, embora com simplicidade, á maneira mesmo, cá destas terras, que apesar de não ouvir o comboio, tem os seus valores reconhecidos. Era realmente assim, noutros tempos, e eu tinha algo identico escrito. Vou dar uma olhadela ao Mensageiro. Obrigada pela publicação. Bjs António Brás Pereira
Fátima
Foi a única maneira que encontrei de quebrar um pouco a monotonia desta página. Gostei do tema porque ainda o conheci bem e era tal e qual, à excepção dos bailaricos e era feito apenas entre famílias e vizinhos.
Também dei conta da falha da autora, mas mesmo assim decidi publicá-lo.
Beijos
António
Também gostei imenso do tema e do artigo, como bem dizes, ainda é do nosso tempo, talvez a última geração com estas experiências, penso eu.
Pena não teres publicado o que escreveste, deve ser interessante, ainda está a tempo. Fico à espera, está bem?
Beijos
Céu
Sé recentemente e por brincadeira encontrei este blog. Fiquei agradavelmente surpreendida e espero e desejo que continuem. Os artigos publicados são interessantes. Já agora agradeço em nome do meu pai os parabéns enviados Horácio Augusto Morais. Tenho muito gosto em fazer parte desta comunidade , uma vez que temos casa em Rebordainhos e é terra de referência na infância. Um abraço da família Morais ( Cláudia Morais; Luis Morais; Olivia Domingues; Horacio Morais
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